sábado, 12 de junho de 2010

São Quadras de Santo António



Cantigas de portugueses
São como barcos no mar —
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.


A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.


Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.


Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.


Aquela senhora velha
Que fala com tão bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: "Não incomodo".


Não digas mal de ninguém,
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.


Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?


Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.


Deixaste cair a liga
Porque não estava apertada...
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.


Não há verdade na vida
Que se não diga a mentir.
Há quem apresse a subida
Para descer a sorrir.


Santo Antônio de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo Antônio
Que as moças lhe têm amor.


Tem um decote pequeno,
Um ar modesto e tranqüilo;
Mas vá-se lá descobrir
Coisa pior do que aquilo!


Aquela loura de preto
Com uma flor branca no peito,
É o retrato completo
De como alguém é perfeito

Fernando Pessoa

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