quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Estamos A Assistir À Chegada A Portugal Da Democracia Identitária, Que Substitui A Ideia De "Comunidade" Pela De "Diferença"

De: Francisco M. da Silva
Basicamente, estamos a assistir à chegada a Portugal da democracia identitária, já bastante consolidada noutros países, que substituiu a ideia de "comunidade" pela de "diferença". A democracia deixou de ser um processo de persuasão e conversação, de compromisso e síntese entre ideias opostas sobre a mesma identidade comunitária, com base em ideais colectivos agregadores - a nação, o povo, a cidadania, a solidariedade, a coesão social, o Estado-providência. Hoje a democracia parece caminhar para ser um combate permanente entre identidades individuais ou grupais opostas - a cor da pele, a orientação sexual, a  confissão religiosa, a tradição familiar, a origem geográfica, etc..

O problema é que sem a "comunidade", que é o conceito político nuclear, nem a política progressista nem a política conservadora fazem sentido. A "comunidade" é a "identidade" política fundamental, aquela que enquadra todas as outras. Numa democracia comunitária, todos os interesses legítimos tendem para o reconhecimento. Numa democracia identitária, todos os interesses estão em risco de silenciamento e ilegitimidade. Porque se a relevância política de uma pessoa se esgota na sua própria circunstância, essa pessoa não é bem um cidadão - é um potencial inimigo de todas as outras.

Em Portugal, a democracia identitária é especialmente perigosa para a direita. Em primeiro lugar, porque é a esquerda que nela vive melhor. Foi a esquerda que lá fora a criou e foi a nossa esquerda radical - do Bloco ao Livre, passando pelas franjas do PS - que a importou.

Em segundo lugar, como já aqui escrevi, o PS tem um projecto de poder hegemónico. O seu desejo é "mexicanizar" o regime e eternizar-se como "o partido natural de governo". O partido charneira inamovível, centrista e pragmático, que governa inevitavelmente porque é o único que atende aos sentimentos maioritários do eleitorado, e porque em seu redor, à esquerda e à direita, só há irresponsabilidade. Ora, não há melhor cenário para esta ambição do que um sistema partidário fragmentado, obcecado com discussões panfletárias e proclamações sectárias.

(excertos do artigo de Francisco da Silva, JNeg)

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