quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

A Esquerda Radical Chique

Esta esquerda é incapaz de se relacionar com as pessoas comuns, não usa a linguagem nem compreende as preocupações das pessoas comuns e julga com superioridade moral os que vivem de forma diferente. (...)

Os intelectuais de vanguarda acusam os eleitores – mas a verdade talvez seja mais simples: esta esquerda é incapaz de se relacionar com as pessoas comuns. No seu exercício de sobre-intelectualização, não usa a linguagem das pessoas comuns, não compreende as preocupações das pessoas comuns, não aceita as ansiedades das pessoas comuns e julga com superioridade moral todos os que vivem de forma diferente, em especial quando esse modo de viver é herança das tradições locais e rurais.

Em Portugal, onde tudo acontece mais tarde, só agora estamos a perceber este afastamento, agravado pela distância que vai de Lisboa ao país real e da bolha da representação aos valores democráticos. Este esquerdismo ativista, cada vez mais urbanizado e envolvido nas suas lutas progressistas, parece cada vez mais longe das preocupações comuns dos portugueses. Estes preocupam-se com insegurança, injustiça, corrupção, hospitais que não funcionam, má alocação dos seus impostos, o futuro dos seus filhos. Os radicais chics, para usar a expressão de Pacheco Pereira, estão concentrados em agendas avançadas, culpabilizações ocidentais, redescrição da história, julgamentos anacrónicos e censuras linguísticas. O resultado é o espaço abrir-se a novas direitas e, sobretudo, a figuras que não hesitam em ecoar aquilo que os portugueses comuns dizem – não julgando as suas opiniões, não criticando a sua linguagem, não pretendendo mudar os seus hábitos alimentares, nem ridicularizando os seus medos.

A verdade é que esquerda e direita são conceitos intelectualizados. A maioria da população não quer saber se as ideias são de esquerda ou de direita. A maioria das pessoas quer sentir que a sua voz é ouvida e que a sua vontade é representada – foi isso que a democracia lhes prometeu e é isso que esperam dela. O que é muito diferente de intelectuais ativistas pretenderem impor à comunidade o novo mundo melhorado que idealizaram nas suas cabeças.

Patrícia Fernandes, OBSR  (Leia aqui o texto completo)

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