sábado, 5 de novembro de 2022

Notícias Ao Fim Da Tarde

A Frase (250)

Há duas questões que saltam à vista: um sentimento de impunidade e a ausência de mecanismos de controlo eficazes. (...) A coexistência tolerante aumenta a impunidade e a falta de controlo, a começar pela que devia ser feita pela oposição local, e mostra uma teia de cumplicidades que augura o pior. E, por pano de fundo, está como sempre a lentidão da investigação, uma justiça paralisada, poderes variados que não se interessam por apurar a verdade nem em colocar em acção legislação e organismos que eram supostos diminuir os riscos que tudo isto traz ao sistema político. Basta recordar que a Entidade para a Transparência, o organismo criado há três anos para fiscalizar os rendimentos dos políticos, ainda não tem data para começar o seu trabalho.

(Falcão, A Esquina do Rio)

Acordo De Noite, Muito De Noite, No Silêncio Todo


 Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São — tictac visível — quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela directamente, no desespero da insónia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!
Fraternidade na noite!

Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.

Quem serás? Doente, moedeiro falso, insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna, informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas luzes,
Neste momento e lugar, ignorando-nos, somos toda a vida.
Sobre o parapeito da janela da traseira da casa,
Sentindo húmida da noite a madeira onde agarro,
Debruço-me para o infinito e, um pouco, para mim.

Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo!
Que fazes, camarada, da janela com luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela incógnita...
Tem graça: não tens luz eléctrica.
Ó candeeiros de petróleo da minha infância perdida!

(Álvaro de Campos 25-11-1931)