Jeffrey Frankel, economista e professor em Harvard, sugere que o caso estabelece um precedente legal, porque daqui para a frente torna-se possível que um único credor possa pôr em causa uma renegociação colectiva com todos os outros. Isso aumentará a resistência dos investidores na hora de serem chamados a participarem voluntariamente numa reestruturação de dívida.
Veja-se, por exemplo, o caso da Grécia, que em 2012 finalizou um ‘haircut' na sua dívida, conseguindo envolver 83,5% dos credores, menos que a Argentina. Frankel sugere que, se fosse agora, o sucesso da renegociação grega poderia ser diferente.
Além de Frankel, também David Schnautz, analista do Commerzbank, admite a possibilidade de danos colaterais. Mesmo assim, frisa, acredita que a Argentina "é um caso isolado" e que eventuais dificuldades poderão atingir mais a Grécia do que Portugal - para o analista, os gregos "estão na linha de frente" da reestruturação de dívida pública.
Mas a questão - relevante para Portugal, que tem um rácio de dívida próximo de 130% do PIB - não é pacífica entre os especialistas ouvidos pelo Diário Económico. Zsolt Darvas, economista do think tank Bruegel, afasta qualquer implicação argentina para a Europa, onde "existem cláusulas de acção colectiva". É também a existência dessa cláusula que leva Harvinder Sian, analista do Royal Bank of Scotland (RBS) a rejeitar ‘spillovers' na Europa.
"As cláusulas de acção colectiva estabelecem que uma determinada percentagem - por exemplo, dois terços - dos credores pode forçar todos eles a aceitar os ‘haircuts', isso torna mais difícil aos fundos-abutre encostar o país a um canto", diz, lembrando também que a maior parte da dívida europeia foi emitida ao abrigo das regras da Europa e não da lei norte-americana.
Jeffrey Frankel está ciente de que, em termos legais, os países europeus estão melhor protegidos. Mas lembra que os mercados funcionam por estímulos - se um fundo-abutre consegue um resultado destes uma vez "pode fazer outros acreditar que o mesmo pode ser conseguido noutros lados". Por isso, não recua na sua análise: "este caso vai minar acordos de reestruturação no futuro" (ver entrevista ao lado).
A polémica em torno da dívida argentina pode ser resumida da seguinte forma: em 2005, quatro anos após ter declarado bancarrota, o governo de Buenos Aires avançou com uma reestruturação da dívida, que conheceu uma segunda fase em 2010. Entre as duas fases juntas, conseguiu renegociar 92% dos títulos de dívida.
O problema é que os 8% restantes estão na posse de fundos de investimento que exigem o pagamento da dívida na sua forma original. O Tribunal de Nova Iorque - a dívida argentina foi emitida ao abrigo da lei norte-americana - deu razão aos fundos, obrigando Buenos Aires a pagar tudo o que deve (ver texto ao lado). E suspendeu a tranche que o governo tinha transferido para pagar aos credores que aceitaram renegociar a dívida. (Económico)