A enorme rede de células nervosas que reside no intestino dos animais vertebrados está fazendo com que os cientistas chamem essa rede de "segundo cérebro".
E agora há novidades importantes na área.
"O nosso estudo revela que o sistema nervoso funciona como os 'olhos e ouvidos' do sistema imunológico. As células do sistema nervoso recebem sinais do intestino e dão instruções específicas ao sistema imunológico para reparar os danos," explica Henrique Veiga-Fernandes, do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa (Portugal).
Henrique e seus colegas descobriram um processo inédito que protege os tecidos intestinais contra a inflamação e as agressões microbianas - e que as combate assim que elas surgem, sob controle do sistema nervoso intestinal.
Já se sabia que existe uma relação, um diálogo, entre os neurónios do intestino e o sistema imunológico, inclusive induzindo células imunológicas (os macrófagos) a produzir substâncias protectoras do intestino.
"O que é completamente novo é que não só desvendamos o fenómeno em si, mas também descrevemos os mecanismos moleculares que estão em jogo," disse Henrique.
O mecanismo envolve uma proteína, chamada Ret, presente na superfície de um tipo de linfócitos (glóbulos brancos) chamados inatos - não adaptativos - que estão entre os mais importantes reguladores da inflamação e da infecção ao nível das mucosas. A proteína Ret funciona como um interruptor, podendo ser ligada ou desligada pelos sinais que recebe.
Essa mesma proteína Ret está presente na superfície das células nervosas do intestino, onde serve para regular a função destas células ao captar, como se fosse uma antena, sinais químicos vindos do exterior, por meio de moléculas chamadas factores neurotróficos.
De acordo com o pesquisador, o que se verifica é "um tipo de linfócito mascarado de neurónio".
A pergunta que se colocou a seguir foi: como é que as células da glia "sabem" detectar as ameaças contra o intestino, de forma a ativar a Ret dos linfócitos inatos no momento certo?
"Na realidade, o que está fazendo com que as células da glia produzam esses activadores da Ret é que elas conseguem detectar sinais da presença de micróbios e da destruição do tecido intestinal," explica Henrique. "Podem ser sinais produzidos pelas bactérias ou 'alarminas', que são sinais emitidos por qualquer célula em apuros."
"Resumindo, identificamos uma 'carruagem' multicelular [linfócitos inatos, células da glia e células do epitélio intestinal], orquestrada por factores neurotróficos, que protege o intestino", diz o pesquisador. "E constatamos que a alteração deste eixo celular e molecular conduz à doença inflamatória intestinal e à incapacidade de eliminar as infecções."
Uma aplicação futura dos resultados poderá ser o desenvolvimento de novas estratégias preventivas e terapêuticas contra a inflamação intestinal crónica - tais como doença de Crohn ou colite ulcerosa - ou mesmo contra o câncer intestinal. Para isso, a equipe está agora estudando formas de activar directamente os linfócitos inatos, sem passar pela glia. "Queremos conseguir fazer o trabalho das células gliais", disse Henrique.
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