A greve foi só “geral” no sentido em que o Estado, em Portugal, é demasiado “geral”. Para resolver esse problema, o meio adequado não é o pacote laboral, mas a reforma do Estado. (Rui Ramos, OBSR)
Que dizer desta “greve geral”? Talvez que é greve, mas certamente que não é “geral”, como as outras que a antecederam. Quem ontem andou por Lisboa, viu abertas lojas, oficinas, restaurantes e supermercados. Taxis, TVDE e estafetas circulavam como nos outros dias. Com o que é que não pôde contar? O Metro, a Carris e a CP, mais os serviços do Estado, como escolas e hospitais públicos. Nada de novo: mais uma greve da função pública e dos transportes do Estado. A isso chamamos “greve geral”.
É verdade que a “greve geral”, como há mais de 100 anos explicou Georges Sorel, nunca foi suposto ser uma realidade. Foi sempre o que ele chamou um “mito”. No seu tempo, era o “mito” de que o operariado, num só dia, pudesse parar a economia, e provocar o colapso do sistema capitalista e da democracia burguesa. Sorel não esperava que isso acontecesse, mas achava vital, para os movimentos anarquistas e socialistas, que se acreditasse que isso podia acontecer: daí derivavam o seu poder e influência. A greve geral era uma ideia apocalíptica, que deveria motivar os revolucionários e intimidar a “burguesia”.
Em Portugal, hoje, a greve geral também não é uma realidade. É, como diria Sorel, um mito, aliás, dois mitos. O primeiro é o mito de que é o Estado que nos pode tornar a todos mais ricos, e não o investimento e o trabalho dos indivíduos e das famílias. Note-se: é um mito para a sociedade em geral. Para os grevistas de ontem, funcionários e empregados públicos, cujos rendimentos e regalias dependem do governo, é uma realidade. Indevidamente generalizado, porém, dá a tese de que o caminho para a abundância passa por leis que restrinjam o que empresários e trabalhadores podem fazer, e de que quanto mais difícil for despedir, mais emprego haverá e mais altos serão os salário.
O segundo mito é o de que esquerdas desacreditadas por anos de estagnação económica, wokismo e caos migratório se poderão retemperar na conflitualidade sindical. Foi o que explicou ontem ao Público o novo presidente da comissão liquidatária do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza: a
greve era “uma lição de unidade” para as esquerdas, que deveriam juntar-se como no tempo da troïka, e a maneira de tirar temas em que as esquerdas perdem, como as burqas, isto é, as migrações, do centro do debate público. Que os sindicatos em Portugal sirvam para isto, não espanta. (texto na íntegra aqui)

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