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segunda-feira, 7 de julho de 2025

Notícias Ao Fim Da Tarde

A Frase (167)

Para além da demora na Justiça, para além das diligências dilatórias, para além do relato diário dos incidentes em estilo sensacionalista, nada preocupa o país quando um antigo Primeiro-Ministro eleito em democracia se senta no banco dos réus com uma acusação grave e pesada. Na pessoa de Sócrates senta-se no tribunal todo um regime e a ética da República. Não é Sócrates que está a ser julgado, mas a democracia na sua ascensão e queda.     (Carlos Marques de Almeida, ECO)

A antiga jóia do novo socialismo e da modernização de Portugal é hoje uma personagem trágica que é a face visível de uma democracia invisível. Sócrates exibe a impunidade dos homens providenciais, o carisma do excesso e da ambição, a fragilidade de uma história de encantar, em que acredita profundamente, e em que acredita que Portugal pode acreditar. (...)

Depois há o silêncio devastador do PS. O silêncio de uma reflexão que não foi feita em tempo útil e que não será feita na inutilidade do tempo presente. (...) Politicamente o PS não diz nada. (...)

O PS ao não dizer nada contribui para a teia de cumplicidades, interesses, ambições, expedientes, que degradam a democracia ao nível de um esquema exemplar que garante a obscuridade de uma transparência invisível. Falta coragem, falta moral, falta política no PS. A democracia exige o preço do escrutínio. A cumplicidade exige o preço da negação. O PS está em negação há dez anos. Portugal não é dado a reflexões, prefere a tranquilidade das repetições. (...)

A Justiça está obviamente sobre uma enorme pressão. Feito o julgamento na opinião pública com o réu condenado e sem recurso, se Sócrates é ilibado é o descrédito, se Sócrates é condenado é o descrédito.

A República enfrenta um dilema clássico – Sem Democracia não existe Justiça. Sem Justiça não existe Democracia. No Portugal contemporâneo, a Democracia está em conflito com a Justiça. Cansados e traídos pela fraqueza das instituições resta aos portugueses percorrer a grande via que é a Avenida da Liberdade.

Saudades Pagãs I


Visões! sonhos antigos! Quando a Terra,
Na inocência primeira de seus anos,
Entre flores dormia... e era seu berço
O seio de mil deuses! Quando a vida
No coração dos homens sem esforço,
Se abria como um lótus, todo cheio
Dos raios do luar e dos segredos
Do vaporoso espírito das noites!

Quando um tronco era peito comovido,
E a montanha um Áugur, e a rocha oráculo:
E não se achava um só bago de areia
Que não estremecesse e não sentisse
Agitar-se-lhe dentro a alma confusa
Quando os Orfeus passavam, silenciosos,
Por entre os arvoredos, meditando!

Saía então da Terra um grande espírito:
Havia em tudo uma expressão profunda:
Nem era muda a vastidão do mundo.
Como um canto que fere as cordas todas
Duma harpa sonora, uma mesma alma
Através do Universo ia acordando,
Em peito, árvore, pedra, e céu e onda,
As mil notas, diversas mas cadentes,
Duma mesma harmonia ‑ o hino da Vida!

Era a cidade ideal da Natureza!
Seu povo, a criação; seu templo, o espaço;
E muralhas em volta, circundando-a,
Dum lado ao outro os livres horizontes!
Era a cidade ideal! a Lei eterna
Banhava-a sempre numa aurora imensa,
Quando um povo de deuses, radiante
De mocidade e brilho, caminhava
Por entre as multidões ‑ e o solo heroico,
Teu solo sacrossanto, ó Grécia antiga,
Como um sublime palco, sob os passos
Dos atores divinos ressoava!

(Antero de Quental)