Nos corredores do PS, a gestão da máquina substituiu a ambição reformista. A lealdade funcional O partido transformou-se num aparelho tecnocrático na forma, mas politicamente vazio. Gente que confunde visibilidade com relevância e que acredita, perigosamente, que ocupar um cargo é o mesmo que cumprir uma missão.

Nos últimos anos, o PS trocou o país pelos apparatchiks. Substituiu o mérito pelo círculo de confiança, a ousadia pela obediência, a política pela gestão de carreira. Candidatos a ministro que não passariam numa entrevista de emprego. Deputados que mal articulam uma ideia sem olhar para o papel. Gente a fazer de conta. Todos querem ser alguma coisa, poucos querem fazer alguma coisa.

Na Roma do século V, ser senador já não era um ato de coragem cívica, mas um privilégio burocrático. Muitos aceitavam o título apenas para aceder à toga púrpura. Hoje, no PS, proliferam os senadores de plástico: quadros que vivem de comissões e gabinetes, conhecem os meandros do partido, mas pouco (ou nada) sabem do país real. Nunca criaram um emprego, nunca enfrentaram o desemprego, nunca foram avaliados fora da bolha.

E o resultado está à vista. Um país exausto de remendos e um partido que, em vez de se renovar com o tempo, se fecha sobre si próprio, como um clube privado onde só entra quem sabe piscar o olho à pessoa certa.

A decadência não chega com estrondo. Vem em suaves silêncios. Em reuniões onde ninguém diz o que pensa. Em nomeações onde todos sabem que não se escolheu o melhor. Vem na substituição da política pela gestão de danos. No medo de ser livre. No hábito de nunca dizer “não” ao chefe, mesmo quando diz asneiras.


(excertos do texto de Rui Duarte, OBSR)



E porquê? Porque esqueceu que o povo — não o aparelho — é o acionista principal. Num tempo em que o país pedia visão, o PS ofereceu organogramas. Num tempo em que o país pedia coragem, o PS ofereceu eleições. E num tempo em que o país implorava por sentido de missão, o PS ofereceu carreirismo.

A diferença entre liderar e gerir o aparelho nunca foi tão clara. E tão trágica.

O PS sempre foi um partido de poder. Mas durante décadas, esse apego ao poder conviveu com talento, com projeto, com figuras que pensavam Portugal.

Hoje restam as molduras, falta o conteúdo. O partido substituiu a pátria. O status quo venceu o espírito reformista.

E Portugal não pede o impossível. Pede instituições funcionais, políticas que olhem além do ciclo eleitoral, serviços públicos que tratem os cidadãos como cidadãos, não como obstáculos logísticos. Mas em vez disso, tem recebido slogans e protagonistas reciclados. Personagens secundárias de uma novela repetida. Falta-lhes densidade, falta-lhes sentido de Estado, falta-lhes o desconforto sagrado de quem sabe que governar é decidir e decidir implica perder.

Há um provérbio em latim que talvez caiba aqui: corruptio optimi pessima. A corrupção dos melhores é a pior de todas. E o PS foi, durante muito tempo, a casa de muitos dos melhores. Mas quando os melhores se calam, quando os mais livres são afastados, quando se premeia apenas a lealdade servil, sobra o que temos hoje: mediocridade organizada, sem visão e sem alma.

O colapso da representação acontece assim: primeiro lentamente, depois de repente.

As democracias não morrem de um dia para o outro. Morrem de falta de vergonha. De falta de qualidade. De excesso de cinismo. E quando os partidos centrais deixam de ser exigentes com os seus, o espaço fica livre para os que gritam mais alto, para os que prometem o impossível, para os que oferecem identidade em vez de soluções.

O colapso do PS não é só um problema do PS. É um problema da República. Do país.

Da ideia de política como serviço público.

No fim do Império, os romanos ainda falavam latim mas já não pensavam em Roma.

No fim deste PS, os dirigentes ainda falam de socialismo mas já não pensam no povo.

E enquanto isso, Portugal (não) espera.

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