Visões! sonhos antigos! Quando a Terra,
Na inocência primeira de seus anos,
Entre flores dormia... e era seu berço
O seio de mil deuses! Quando a vida
No coração dos homens sem esforço,
Se abria como um lótus, todo cheio
Dos raios do luar e dos segredos
Do vaporoso espírito das noites!
Quando um tronco era peito comovido,
E a montanha um Áugur, e a rocha oráculo:
E não se achava um só bago de areia
Que não estremecesse e não sentisse
Agitar-se-lhe dentro a alma confusa
Quando os Orfeus passavam, silenciosos,
Por entre os arvoredos, meditando!
Saía então da Terra um grande espírito:
Havia em tudo uma expressão profunda:
Nem era muda a vastidão do mundo.
Como um canto que fere as cordas todas
Duma harpa sonora, uma mesma alma
Através do Universo ia acordando,
Em peito, árvore, pedra, e céu e onda,
As mil notas, diversas mas cadentes,
Duma mesma harmonia ‑ o hino da Vida!
Era a cidade ideal da Natureza!
Seu povo, a criação; seu templo, o espaço;
E muralhas em volta, circundando-a,
Dum lado ao outro os livres horizontes!
Era a cidade ideal! a Lei eterna
Banhava-a sempre numa aurora imensa,
Quando um povo de deuses, radiante
De mocidade e brilho, caminhava
Por entre as multidões ‑ e o solo heroico,
Teu solo sacrossanto, ó Grécia antiga,
Como um sublime palco, sob os passos
Dos atores divinos ressoava!
(Antero de Quental)