Não se sabe onde estão. Recomeçar a vida? Reiniciar actividades comerciais e industriais? Reconstruir
as casas? Todos os dias chegam aos jornais e às televisões queixas de cidadãos a perguntar pelos apoios
e a garantir que nada chega. Serão só boatos? Sucedem-se os comunicados de várias entidades, o que
só aumenta o descrédito. Nem sequer é provável que haja roubo, mas tão-só incompetência, tentativa
de protagonismo e luta entre medíocres autoridades.
Como é evidente, todo este assunto é profundamente político. Da prevenção aos sistemas de protecção,
da organização da sociedade e das autarquias aos investimentos, das compensações aos subsídios e à
reconstrução: há políticas por todo o lado. Política no sentido de escolhas e de opções fundamentais.
Infelizmente, não tivemos essa política. O governo calou-se e criou um ónus moral sobre todos, acusan
do de oportunista quem pretendeu debater. Culpado da desorganização, o governo não quis analisar e
tomar responsabilidades. Ainda tentou garantir que responsáveis eram os governos anteriores, mas tam
bém aí recuou, quando percebeu que o governo de Sócrates e Costa estava incluído. Na verdade, o
maior esforço do governo consistiu na procura do esquecimento. E na tentativa de mostrar que as mortes
eram inevitáveis. Ou antes, fortuitas. A estratégia foi a de afirmar que qualquer discussão do assunto
era "fazer política" e "aproveitar". Com os sentimentos de culpa do PSD e do CDS, com os silêncios
dos autarcas que não se querem comprometer e com a abstenção do PCP e do Bloco, não haverá respon
sabilidades nem correcção dos sistemas de ordenamento e de prevenção. A não ser que qualquer coisa
mude. A não ser que os 65 mortos tenham sido a conta necessária para comover o país.
Porque estes problemas são sempre políticos e é necessário, acima de tudo, ajudar e corrigir, esperava
-se que o Parlamento e outras instituições reforçassem o seu empenho na tentativa de resolver. Mas não.
Praticamente toda a gente se limitou a defender os seus e acusar os outros. Como adeptos ou fiéis, sem
liberdade nem pensamento. Nem sentido do dever.
(excertos do artigo de António Barreto, DN)