(...) Vocês estão doentes, cada vez mais doentes. Podem ter a tentação de ignorá-lo, de meter a cabeça na areia e fingir que não reparam, que não percebem os sintomas. Ou, pior do que isso, podem até ter essa consciência – que têm, porque burros ou distraídos é coisa que não são – mas esperar que poucos reparem ou valorizem a vossa moléstia.
A vossa doença, profunda e a requerer tratamento urgente e de choque, está na cultura que foram desenvolvendo e aprofundando ao longo dos anos, ao ponto de se confundir já com o vosso ADN. Só por si isto não seria de uma gravidade extrema. Os partidos, tal como as pessoas, as empresas ou outras organizações, nascem e morrem, reinventam-se, reformam-se. A seguir a uns outros virão, com outras virtudes e defeitos. Isso já aconteceu e vai continuar a acontecer no país, podendo até ser visto como sinal de vitalidade do sistema.
Da mesma forma que são fundamentais para a democracia, são igualmente determinantes para a qualidade e a saúde da democracia. Portanto, a vossa doença é a doença da democracia. A vossa cultura contamina, para o bem e para o mal, a cultura democrática. Por isso, o serviço que prestam ao país está inquinado, está podre, fede cada vez mais e está a tornar-se insuportável.
Vocês habituaram-se a viver na total impunidade numa parte importante da vossa vida. De tal forma que parece que já não sabem viver de outra forma.
Colocam-se com frequência acima dos cidadãos. Para estes, regras cada vez mais apertadas, penalizações cada vez mais duras, sistemas informáticos cegos, brigadas de fiscais para tudo e mais um par de botas. Para vocês, o laxismo, os esquecimentos cirúrgicos, as mudanças frequentes de lei para amnistiar a violação das anteriores, a falta de meios de controle e fiscalização que esconde, afinal, a falta de vontade.
Vocês sabem o mal que fazem. Por isso, apesar de estarem sempre dispostos a fazer declarações públicas sobre tudo e mais alguma coisa, é sintomático quando se remetem ao silêncio em matérias que vos envolvem. Se é por cobardia é muito mau. Ao menos que seja por vergonha.
Foi o que aconteceu esta semana, em que ficámos a saber que o Tribunal Constitucional deixou prescrever multas que deviam ao Estado relacionadas com irregularidades na campanha eleitoral de 2009. Em causa estão 400 mil euros, que deveriam ter sido pagos por 12 partidos e 24 dirigentes.(...)
O problema, o grande problema, é que vocês são, até certo ponto, o regime. São vocês que o definem em grande parte, que o moldam, que estabelecem as suas regras, que ditam o que é permitido e o que é proibido, que distinguem o bem do mal e o impõem à sociedade.
São vocês que ditam as leis, estabelecem as regras e criam mecanismos para viverem na ilegalidade impune quando bem entendem. São cúmplices uns dos outros nas trapalhadas financeiras, sentem-se de uma casta superior que não tem que prestar contas ao povo, mudam as leis que bem entendem para ter mais financiamento público e nomeiam os juízes que deixam prescrever as vossas ilegalidades.
Se ainda assim as coisas vos correm mal, só pode ser porque a incompetência consegue ser muito superior à vossa já enorme falta de vergonha. Em qualquer actividade, já tinham desaparecido. Só sobrevivem porque vivem em cartel, numa actividade cheia de barreiras à entrada de novos concorrentes que vocês mesmo levantaram. O Estado são vocês, são os verdadeiros donos disto tudo.
Mas olhem que estas coisas não duram sempre. Cuidem de vocês. Ganhem vergonha e mudem de vida antes que o povo que vos suporta vos obrigue a mudar.
( Excertos do artigo de Paulo Ferreira, hoje no ECO)
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