As velhas tensões entre usufruto e gozo da opulência, rigor da fé calvinista, expedientes das empreitadas comerciais e a veia humanista herdada de Erasmo contribuíram para uma cultura política de consensos e tolerância no pós-guerra que, tudo indica, chegou aos seus limites no início deste século.
A frustração de expectativas, estagnação ou quebra de rendimentos, perda de estatuto e insegurança laboral justificam os agravos de quem mais perdeu com a recessão de 2011 e 2012 e as medidas de austeridade até a economia começar a recuperar há três anos.
Os 62% de votos contra no referendo sobre projecto de constituição europeia em 2005 tinham, por outro, lado deixado a claro dúvidas, que têm vindo a aumentar, sobre os termos da integração política, económica e financeira da UE.
Mais insidiosos são, contudo, a angústia, o temor e a raiva expressas pelas consequências da falhada integração de 1,8 milhões de imigrantes de "origem não ocidental", perto de 11% da população, sobretudo de cerca de 400 mil turcos, outros tantos marroquinos, 350 mil naturais de Suriname e 150 mil das Antilhas.
A maioria dos descendentes destes imigrantes, marroquinos e turcos chegados a partir dos anos 60 e na década seguinte no caso dos cristãos e hindus do Suriname (tornou-se independente da Holanda em 1975) está longe de se reconhecer nos valores partilhados por holandeses protestantes, católicos ou sem filiação religiosa.
Sem atingir a virulência e violência do repúdio das segunda e terceira gerações de imigrantes de origem muçulmana em França, a minoria marroquina e turca na Holanda é exemplo de segregação e auto-segregação, ainda que as condições de vida e acesso a serviços sociais sejam em regra melhores do que noutros países europeus.
Os casamentos entre holandeses e descendentes de imigrantes marroquinos ou turcos equivalem a menos de 10% dos matrimónios, as condenações por crimes são superiores entre não ocidentais (marroquinos, em primeiro lugar, a seguir naturais das Antilhas, por sinal não muçulmanos, e só depois turcos) e o desemprego é três vezes mais elevado do que a média (actualmente, em 5,3%).
O distanciamento em relação à mescla de hedonismo, rigorismo ético e tolerância ideológica, religiosa e de costumes é, contudo, muito acentuado.
A revolta contra este repúdio da parte de imigrantes ingratos e possessivos que criam enclaves hostis nas grandes cidades, o falhanço da integração e do multiculturalismo, assumiu exaltado teor antimuçulmano e foi personificada por Pim Fortuyn (assassinado por um militante ecologista holandês em 2002), Theo van Gogh (baleado por um islamita marroquino em 2004), alentando, agora, Wilders.
Hoje, o prato da xenofobia vai ganhar mais peso na balança europeia.
Fonte: João Carlos Barradas, J Negócios
Sem comentários:
Enviar um comentário