A propósito dos episódios que têm marcado este Verão demasiado quente. O último foi a “recomendação” do Governo para que fossem retirados do mercado livros pré-escolares para meninos e para meninas. A editora aceitou a “recomendação” do Governo e retirou os livros. Independentemente da opinião que tenhamos, sobre a iniciativa da editora, a questão que se coloca é: porque é que um Governo se mete num assunto destes? Os livros, que se saiba, não são (ou eram?) manuais escolares indicados pelo Estado.
Aquela pergunta suscita uma outra: até onde vai a liberdade de cada um, incluindo das crianças? (...) O que parece estarmos a fazer é a substituir uma discriminação por outra discriminação – a menina tinha de ajudar a mãe e agora está proibida de o fazer ou o menino gosta é de brincar com carrinhos mas tem de brincar também com bonecas.
O que é preocupante na iniciativa da Porto Editora é perceber que ainda existe mercado para livros só para meninas e só para meninos. Essa é a pergunta que temos de fazer: porque é que ainda é rentável?
A desigualdade de género – como as outras – é infelizmente uma realidade e parte da educação que se tem em casa. Para corrigir isso pouco ou nada se fez. Muito menos se resolve censurando livros. A iniciativa do Governo apenas impede que se conheça a realidade. E sem conhecer a sociedade nada se corrige.(Helena Garrido, OBSR)
Envergonha pela audácia dos censores.(...) Podiam fazer como é normal em qualquer sociedade democrática: criticar os livros, abrir porventura um debate sobre se é possível haver actividades diferentes para meninas e rapazes, mas isso cobri-los-ia de ridículo (basta de resto olhar para os desenhos que alegadamente teriam estereótipos de sexo para soltar uma valente gargalhada com a parvoíce destes inquisidores). Mas em vez da discussão preferiram a intimidação abusando do seu poder administrativo.
E envergonha pelo servilismo do editor, porventura racional do ponto de vista do seu negócio num país onde o Estado e os governos mandam em tudo, mas uma lástima se pensarmos no que é a missão de quem imagina e produz livros.
Mas não me surpreende que assim seja, pois estamos submetidos às estritas regras e códigos de conduta da chamada “ideologia do género”, uma nova ortodoxia contra a qual poucos levantam a voz. Mas que não pode passar sem que a contestemos.
Até porque a fúria destes indignados toca a todos – e tanto que toca que agora até agarrou nas suas teias um ícone da esquerda planetária, o cantor Chico Buarque, de repente acusado de machismo por causa da letra de uma canção. ( José Manuel Fernandes, 'A censura, a javardice e o politicamente correcto')
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