O fulcro e o “ponto” destas autárquicas não residem tanto nas pequenas, médias ou grandes questões internas do CDS e do PSD — que de modo algum desvalorizo — mas antes no estado de saúde da direita-toda-ela, com uma geringonça a girar em fundo. Da direita do PS até ao extremo CDS, com independentes pelo meio ou gente que não se vê, nem revê, nos projectos de sociedade da esquerda, que aí está, o espaço é maior do que se pensa. Maior e doente.
Fora do perímetro partidário do PSD e do CDS já de si pouco famoso pese embora a sua tenacidade, esse imenso espaço está desinteressado, abúlico, desnorteado. Valsando entre o queixume, a maledicência, a desistência (ou tudo ao mesmo tempo) não intervém, nem sequer contradiz. Deixou-se abafar, não sabe o que pensar, nem o que fazer. Presume-se que discorde da esquerda mas a discordância é oca e não há mobilização que a ilustre ou substância que a encarne. Se por absurdo este enorme espaço se sumisse da face do país, quem daria por isso, tal a omissão/demissão a que se assiste?
Fazer oposição quando o povo está feliz com o poder que o governa e os tempos correm de feição, é medonhamente difícil e, para as lideranças partidárias, nem falar. Ora, o actual momento eleitoral não está senão a ser amassado nesse clima, é esse o quadro destas autárquicas. Maus ventos para quem concorre contra a (suposta) felicidade, sorte para a geringonça. Seja como for — e esse é o meu ponto — ou a direita e o centro direita deitam contas à vida com tanto de seriedade quanto de desafio e empenho, ou… nada. Há um desinteresse nauseado face a zangas, amuos, invejas, vinganças partidárias passadas ou actuais, ambições novas ou já meio talhadas; um persistente embaraço face à ostensiva desunião do PSD e do CDS — e ao passa culpas entre ambos — uma perplexidade com o rumo das coisas. Ou a direita e o centro direita se procuram e reinventam ou o futuro não os merece, nem os abrigará.
E já agora, a própria leveza de actuação de Marcelo. Sim, sim. Tema obviamente merecedor de análise na revisão de um cargo que já leva muito tempo. Para que tem ele contribuído por detrás dessa coisa subitamente guindada a valor supremo que é a “proximidade”com açúcar e afecto? Ouviu-se a sua preocupação com o que se passa na Avenida 5 de Outubro onde, à custa do aluno e com afã e afinco se dá cabo de um sistema educativo que começava a resultar e a provar que resultava? Com o sobressaltado funcionamento do Serviço Nacional de Saúde? Com o galopante endividamento? Com a festa do crédito?
O guião já está escrito: no dia 1 à noite a geringonça inchará, a media amaciará o CDS (para melhor insultar o PSD), o carrossel começara a girar com palpites, infindáveis narrativas e claro, ajustes de contas, em directo e ao vivo. A intriga fervilhará. Tudo tão previsível sim, mas tudo tão pobrezinho. (E pensar em como ficou a Alemanha, como está a América, como estará a União Europeia, como poderá vir a estar a Coreia do Norte. Por exemplo).
Mas nos nossos écrãs estarão os do costume e certamente que o ventríloquo de Belém. Sempre agilmente prestimoso no serviço e no recado também lá deve estar. Com recados e serviço.
E depois? Depois, nada. Seguir com a vida em frente (de preferência sem a companhia do ventríloquo) à espera que alguém acorde. Ou melhor, que alguém queira acordar.
(Excertos do artigo de Maria João Avillez , hoje no OBSR)
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