O tédio tem certamente a ver com a frequência com que estas questões são apresentadas no chamado espaço público (a repetição, salvo para os maníacos, afasta a curiosidade) e com o desinteresse político que me sugerem.
É verdade que ainda me surpreendo de vez em quando. Mas o sentimento mais recorrente, desde há algum tempo, é mesmo o tédio. Estou-me a referir aos furores legislativos em matérias que têm a ver com o que dantes se via como vida privada, nomeadamente com a sexualidade. Segundo li, os maiores de dezasseis anos poderão em breve escolher em Portugal qual o seu “género”, e em Espanha o Podemos reivindica naturalmente maior precocidade: os doze anos. E concebem-se penas pesadas para os pais que se oponham a tais decisões da sua prole.
No que diz respeito ao essencial, a complexidade da psique humana em matéria de sexualidade, Freud, há mais de um século, disse o que havia para dizer, e é muito curioso que, sinal dos tempos, o seu nome se veja arredado de qualquer discussão. Não é só ignorância: Freud, para quem se der ao trabalho de o ler, continua a inquietar. Para mais, e continuando no essencial, a vida dos outros é a vida dos outros e quanto menos nos metermos nela, pretendendo dirigi-la, melhor.
Mas, é claro, a questão que hoje é discutida pouco se ocupa destas coisas. Mais uma vez sinal dos tempos, ela centra-se por inteiro na legislação. A legislação tomou todo o espaço do essencial e a complexidade da psique não é para aqui chamada. O inconsciente, para voltar a Freud, não existe no quadro legal. A única coisa que interessa é o modo como o Estado nos pode obrigar à liberdade concebida segundo as modas quadriculadas do dia.(...)
O conceito de “totalitarismo”, um conceito razoavelmente equívoco, como o são todos os conceitos de teoria política, implica não apenas, como, por exemplo, o de despotismo, um poder autoritário que suprime as opiniões políticas divergentes, mas a intromissão na vida concreta de cada um na sua esfera íntima. Em última análise, a indistinção da esfera pública e da esfera privada. Não se trata apenas de calar as opiniões divergentes (embora isso, é claro, também aconteça), mas sobretudo de afirmar a necessidade de, no nosso próprio coração, pensarmos como o Estado quer. E se isso é feito em nome da nossa própria liberdade, que maravilha que é.
Paulo Tunhas, 'Totalitarismo'
Nota: Este é só um dos 'sinais dos tempos' que estamos a viver. Muitos e muitos outros podemos constatar, que mostram o caminho para o declínio da civilização em que ainda vivemos.
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