Hoje, as coisas tomam outras formas. Dispensa-se o génio musical. Retira-se o Deus fora de moda. Antecipa-se a cerimónia para o início do novo ano fiscal. Coloca-se em cena o objecto do louvor. Rodeia-se o sujeito de uma corte bem apessoada, que até pode ser um Conselho de Ministros, em vez dos tradicionais querubins. Adjudicam-se os procedimentos a uma agência de imagem. Contrata-se uma universidade “a fim de credibilizar” o exercício, segundo as palavras dos protagonistas.
Seleccionaram-se umas dezenas de figurantes por amostra calibrada, a quem se pagam deslocações, bebidas, um snack e um per diem de ajudas de custo (150 euros, segundo testemunhos). Solicita-se a um sacerdote que se ocupe do ritual. Os figurantes agem como se de um coro grego se tratasse, mas em intervenções sucessivas, não em coral clássico. Às perguntas inteligentes dos figurantes, o solista responde com desenvoltura. A fim de mostrar o espírito de equipa, vários membros da corte são chamados a participar. (...)
Os cidadãos que ali se deslocaram prestaram um serviço ao país, dispuseram-se a representar os restantes portugueses que não puderam estar todos presentes, deram ao governo dados autênticos, entre eleições, sobre o estado da nação. Fizeram-no de modo mais verdadeiro do que as sondagens que não permitem esta consulta de proximidade. Melhor do que o focus group a seguir aos incêndios, este grupo é uma auscultação em comunhão. É próprio de um governo para as pessoas, não para os números.
(excertos do artigo de António Barreto, hoje no DN)
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