Num noticiário, António Costa, o primeiro-ministro, está a ser entrevistado. E ouço-o a dizer “Eu acho é que ninguém tem direito, nem a procurar criar ilusões aos professores, mentir aos professores sobre o que é que está em causa, nem enganar os portugueses. Todos temos o dever de ser claros”.
Engraçado ...
É que uma pessoa vai ao Google – essa moderna ferramenta que, para aparente desconhecimento da nossa classe política (a alternativa é falta de vergonha), nos devolve memórias em 0,3 segundos –, pesquisa “António Costa austeridade” e encontra mais de milhão e meio de resultados. Entre eles, o “Virar a página da austeridade, relançar a economia”, uma carta que António Costa dirigiu aos portugueses.
A umas semanas de eleições legislativas, António Costa defendia que “o aumento do rendimento tem de resultar de um esforço conjunto com o Estado. Não só na reposição dos salários, pensões e mínimos sociais, acabando com os cortes, mas também inovando”. É possível que António Costa não se tenha apercebido, mas estas suas palavras criaram ilusões. Principalmente, quando nessa carta até se garantia existir um cenário macroeconómico a dar cobertura aos compromissos assumidos.
Já o documento “Uma Década Para Portugal”, o tal relatório produzido por 12 economistas coordenados por Mário Centeno, era um bocadinho mais transparente. O capítulo da política salarial e carreiras afirmava “A partir de 2018, inicia-se o processo de descongelamento das carreiras e de limitação das perdas reais de remuneração que deverão ser avaliadas no cruzamento dos programas orçamentais com as respetivas carreiras e ter e conta o impacto transversal de algumas carreiras em vários programas orçamentai"
Um país que tem uma dívida pública superior a 120% do PIB – o que o coloca no pódio dos devedores da União Europeia – bem pode invocar tal argumento. Um país que tem um défice orçamental de 0,5% do PIB – que quando ajustado do ciclo económico é de 1,1% – bem pode dizer que não tem dinheiro.
A 15 de Dezembro de 2017, aparentemente, a contagem integral do tempo para efeitos de progressão na carreira e da correspondente valorização remuneratória não era nenhum problema. Pelo menos, a bancada socialista votou favoravelmente, ao lado de BE, PCP, Verdes e PAN, a que viria a ser a primeira Resolução da Assembleia da República de 2018, onde se sugeria ao Governo que dialogasse com os sindicatos no sentido daquela reposição.
Então o PS concordava em recomendar algo que comprometia a estabilidade orçamental?! Ou em Dezembro de 2017 as finanças públicas estavam mais sãs que agora?
A crise política é estrutural e dura há muito. Consiste em governos e oposições que se demitem de pensar o país a longo prazo, de ter um projecto para ele, de traçar um rumo que sigam sem teimosia, mas com coerência; que decidem em função do soundbyte e do que parecer granjear mais votos no imediato. E faz-se de uma população que se rende a essa cultura do curto prazo, cujo sentido crítico e nível de exigência não vai além do escândalo nas redes sociais.
(excertos do artigo de Vera Gouveira Barros, ECO)
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