Se continuarmos embriagados com a política social de “panem et circenses”, na próxima crise vamos acabar por ficar sem passes, sem transportes e sem dinheiro para saúde, para justiça e para educação.
A hora dos portugueses foi a hora de um pequeno povo que conseguiu demonstrar toda a sua tenacidade ao colocar a seus pés o mundo conhecido de então. Mas a hora que se seguiu, foi a hora que Stephen Zweig designou brilhantemente no seu livro sobre Fernão Magalhães, como a hora da “embriaguez da vitória”, a hora do deslumbramento, dos excessos e da prepotência que nos fez perder o império.
Hoje a hora dos portugueses é bem mais pequenina, é a hora do défice zero com que ficámos maravilhados, apesar de esta que surge após um dos períodos mais conturbados da nossa história democrática, onde se descredibilizaram as instituições públicas e privadas, sejam escolas, parlamento, meios de comunicação, câmaras municipais, tribunais, bancos, fundações, hospitais etc.
Mas enquanto na era dos descobrimentos construiu-se um império do nada, agora deambulamos pelos escombros de instituições ruinosas e outras por ruir, a varrer o pó para baixo de um tapete, que se torna de dia para dia, cada vez mais pequeno… E claro, deslumbrados com a vitória de um défice zero, cujo mérito reside na maior carga fiscal que há memória e numa conjuntura internacional arrepiante de taxas de juro negativas.
Se continuarmos embriagados com a lógica de uma política económica social de “panem et circenses”, com passes mais baratos mas sem transportes, ou de saúde para todos sem condições, ou de justiça sem meios, ou de educação sem avaliações responsáveis de alunos e professores, na próxima crise vamos acabar por ficar sem passes, sem transportes e sem dinheiro para a saúde, para justiça, e para a educação.
Depois de tudo o que passaram os portugueses, é desconcertante que a classe política não enfrente com verdadeiro sentido de Estado as grandes fragilidades do país: quer ao nível do excessivo endividamento, da precariedade do emprego e do pronunciado envelhecimento da população. É tão constrangedor assistir no Estado da Nação, ao deslumbramento daqueles que se limitam a enriquecer a sua vaidade, como é embaraçoso a forma como outros se demitem do esforço de analisar e procurar com rigor a verdade. E quando queremos puxar pela auto-estima dos portugueses, também não chega estar presente e abraçá-los, é preciso não deixar que se iludam e impedi-los que se contagiem com a “embriaguez da vitória”.
(Excertos do artigo de Jorge Silveira Botelho, OBSR)
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