sábado, 14 de dezembro de 2019

Há Muita Gente Que Quer Ir Para O Inferno ...

Há muita gente que quer ir para o Inferno[1]. É, aliás, uma constante que, sempre que se constrói um paraíso socialista, as pessoas querem de lá sair. Isto aconteceu na URSS, no Vietnam e em Cuba. E continua a acontecer onde quer que a via para o socialismo comece a ser trilhada. E para onde querem fugir esses danados? Curiosamente, querem ir para países com democracia burguesa e economia de mercado, aquilo a que comum e metaforicamente se chama inferno capitalista.

E não são só eles. Também as massas injustiçadas, empobrecidas e reprimidas oriundas de todos aqueles países onde o poder político e económico é regulado e monopolizado por caciques, cliques, elites e mullahs. Também essa multidão de despojados de direitos políticos e económicos não procuram a bem-aventurança nos paraísos socialistas, mas querem ir viver para um dos infernos capitalistas que ainda vão existindo por este mundo e, se possível, obter entrada naquele inferno mais profundo e terrível, onde um Lúcifer encarnado[2], desbocado e tresloucado, preside à opressão dos pobres, das minorias e das mulheres com um boné MAGA encarnado[3]. Não há dúvida que o inferno continua a ser hot.

Esta atração das massas pelo inferno sempre foi incompreensível para almas informadas, abonadas e preocupadas pelo bem-estar dos outros, e sempre incomodou warxistas e waoistas, quanto mais não fosse pela irresponsabilidade social e pelo mau exemplo que constituem para os demais. Se os desgraçados não percebem onde está a sua verdadeira felicidade, a solução tem sido obrigá-los a ficar no paraíso, construindo cortinas, a de ferro na Europa, a de bambu na Ásia, para impedir o êxodo, e também a sua reeducação ideológica[4] através do trabalho, da dieta e da maceração da carne. Embora o desejo de que todos se salvem da selvática exploração capitalista seja, sem dúvida, meritório, fica a dúvida: até que ponto será legítimo tornar a salvação socialista obrigatória para todos, especialmente para os que a não querem?

( Exertos do texto de José Miguel Pinto dos Santos, hoje no OBSR)

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