Carlos Marques de Almeida, ECO
Não deixa de ser absurdo que quando tantos portugueses morrem querendo viver, a Assembleia da República aprova uma lei que confere aos portugueses o direito de morrer não querendo viver. Quando o País atinge os números estratosféricos e planetários de mortes covid, o espanto e a insensibilidade obtusa do Legislador revela a substância de duas personalidades, uma versão periférica e tosca de um Senhor Hyde que habita um Doutor Jekyll.
Quando o Presidente da República faz um apelo ao País de que é necessário agir para salvar vidas, o Legislador resolve praticar uma espécie de realismo mágico, uma forma de desenvolvimento político que exprime uma genuína consciência de Terceiro Mundo. É a tirania de um progresso que ninguém entende, sobretudo quando a banda sonora do País são os avisos electrónicos das Unidades de Cuidados Intensivos. Mas que importa o concerto das núpcias da morte quando os portugueses passam a ter o direito a uma nova morte com outra dignidade e medicamente assistida. São as coisas impossíveis que acontecem à porta das Urgências que revelam os dias de solidão que asfixiam os portugueses até ao destino de uma crónica que assinala mais uma morte anunciada.
Depois são as vacinas que ninguém sabe, ninguém controla, ninguém conhece. O uso vergonhoso das vacinas é o reflexo do velho expediente nacional, o reflexo sobretudo de uma sociedade meia-feita ou meia-desfeita, no qual os velhos hábitos se confrontam com as novas regras e no fim ganham sempre as pequenas corrupções públicas que submergem as angústias privadas. A deterioração da realidade em Portugal, a hiperbólica crise de saúde pública que atravessa o País, é tanto política como económica, tanto moral como cultural. A verdade oficial tem sido descontrolada pela incompetência e pela indiferença, onde a única verdadeira verdade é que continuam a mentir.
O Governo passou um ano a contemplar o vazio, de tal modo que hoje nos quer fazer acreditar que ainda é manhã na pandemia, quando na verdade é a noite que professa.
Não é com a indignação dos discursos dramáticos que se evita a “medicina de catástrofe” praticada nos Hospitais. Em democracia ficar calado é ficar com o ónus da cumplicidade; em democracia ficar calado é aceitar a fatalidade da incompetência política; em democracia ficar calado é representar a omissão de uma missão cívica – a missão de falar em nome de uma comunidade de destino que é a maior prova de vida de um País.
A escassez de vacinas no mercado aponta para o desencontro entre a procura e a oferta, revelando uma trágica e lamentável falha nos mecanismos de distribuição próprios de uma economia liberal.
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