terça-feira, 20 de setembro de 2011

A Memória Translada O Que Foi Ao Que É ...

Era um homem de grande lucidez. Entre os seus primos estava o perverso Devadatta, sempre ciumento do mestre, empenhado em desacreditá-lo e até disposto a tirar-lhe a vida. Certo dia em que Buda (que era o tal homem lúcido) passeava tranquilamente, Devadatta, enquanto este passava num desfiladeiro, atirou-lhe uma enorme rocha do topo da colina, com intenção de lhe arrebatar a vida. No entanto, a rocha caiu ao lado de Buda e Devadatta não atingiu o seu objectivo. Buda apercebeu-se do acontecimento e permaneceu impassível, sem perder o semi-sorriso dos lábios. Dias depois, Buda cruzou-se com o primo e saudou-se afectuosamente. Muito surpreendido, Devadatta perguntou :
           - Não está enfurecido, senhor?
           - Não, claro que não.
            Sem poder sair do seu estupor, inquiriu:
           - Porquê?
            E Buda disse:
           - Porque nem tu és, a esta altura, aquele que me atirou a rocha, nem eu sou já aquele que lá estava      quando me foi atirada.

A memória translada o que foi ao que é e nega a consciência do presente, turvando-a e debilitando-a. Uma mente renovada é uma bênção, porque não acumula até ficar abarrotada e não envelhece, permanecendo sempre em contínua aprendizagem, livre de feridas.


Ramiro Calle

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