A reserva de compaixão dos portugueses parece inesgotável. Têm pena de tudo. Dos idosos, das crianças e dos doentes. Dos trabalhadores, dos funcionários e dos professores. Dos locais e dos imigrantes. Dos brancos e dos negros. Só parece não terem qualquer espécie de compaixão pelas mulheres! Desde o início deste ano, já lá vão nove ou dez assassinatos de mulheres. Pelos homens. E certamente milhares de batidas e violadas. Pelos seus homens.
De qualquer modo, a compaixão, que é uma virtude, esgota-se com facilidade. Isto é, adapta-se às situações e esquece depressa. E é de uma ineficácia flagrante. A imprensa está recheada de denúncias de mulheres batidas. Sem qualquer efeito. Mais do que de compaixão, as mulheres do meu país necessitam de justiça. As mulheres e, por causa delas, nós todos.
A manutenção da ordem pública e a segurança dos cidadãos também estão a revelar as insuficiências da Justiça: da legislação, dos processos, da aplicação das leis, da prevenção, do castigo dos prevaricadores e da defesa dos ofendidos.
Noutros horizontes, os dos processos de colarinho branco, a Justiça enfrenta momentos difíceis. Há um ambiente de terra queimada pouco propício à administração serena da Justiça. Processos que se atrasam, garantias que nunca acabam e recursos que se reproduzem, transformando aquele universo num labirinto sem saída aparente.
O segredo de justiça é a maior farsa que se pode imaginar. As fugas de informação dirigidas e deliberadas ficam sistematicamente impunes. As chicanas e manobras de diversão processual são cada vez mais eficazes num só propósito, o de adiar a justiça.
A rivalidade entre os magistrados judiciais e o Ministério Público está a atingir foros de ineditismo e a prejudicar a Justiça e a percepção que dela tem a população.
Num país como o nosso onde ninguém, no sistema judicial, é eleito, é essencial reforçar a legitimidade democrática da Justiça. É bom notar que Portugal é um caso extremo de auto-gestão judiciária. Na maior parte dos países democráticos há vários vínculos de ligação das magistraturas ao povo.
Esperar pela próxima revisão da Constituição é uma solução séria e sábia. Mas, para castigar prevaricadores, condenar criminosos e reprimir a violência doméstica, não é cedo. Já quase é tarde!
(Excertos do artigo de hoje de António Barreto, Público)
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