sábado, 25 de maio de 2019

Não Há Espaços Maniqueístas

Aristóteles, na Política, definiu dois tipos de regimes: os rectos e os degenerados. A cada tipo, corresponde um tipo de justiça.


Aos primeiros, corresponde um governo que almeja o interesse comum, em que a justiça abrange uma condição absoluta. Os regimes degenerados, por sua vez, não se coíbem de defender também a justiça, esta é, contudo, relativa a um só, a uns poucos ou até a muitos, mas nunca a todos. 

A discussão acerca desta divisão rapidamente pode perder-se nas querelas capitalistas/marxistas, liberais/socialistas, conservadoras/progressistas, bastando que alguém preste excessiva atenção à precisão dos termos utilizados, qual Narciso debruçado sobre o lago. Mas interessa fugir desse excesso e sublinhar a intuição de Aristóteles: aos dois tipos de regime, há uma noção de justiça associada. Todos perseguem uma concepção de algo desejável e bom: a justiça. A diferença está, então, na partilha comunitária da visão daquilo que seja o interesse comum. Estas eleições europeias apresentam defensores desses dois tipos de regimes. Interessa a todos nós, europeus, “purificar” o nosso regime, não permitindo “silêncios” nas concepções de justiça dos nossos deputados europeus.
Nessa discussão – essencial para qualquer democracia –, não há demónios, nem dragões. O diálogo transformativo entre as diferentes noções de justiça, ao contrário do que os imoderados querem fazer parecer, não é sinónimo de uma luta pela eleição de uma visão perfeita. Grande parte do valor de uma democracia dos dias de hoje está exactamente no seu processo e, neste momento das eleições europeias, o processo reside na construção e manutenção de uma pluralidade dentro do espaço moderado e na exposição do vazio da imoderação.
Este domingo não tem de ser uma escatologia, um tudo-ou-nada. Na política, como em tudo o que é humano, não há espaços maniqueístas. (André Ilhargo, ECO)

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