"A triunfante cultura de desresponsabilização política, que os partidos centrais da democracia – PS e PSD – cultivaram durante anos e que o atual Governo elevou a arte, não empobreceu apenas a nossa política. Está, como mal abstrato e em muitíssimos casos concretos, a dar cabo da nossa vida. " (João Paulo Batalha, Sábado)
O Carlos Rodrigues Lima tirou bem o retrato do problema, ao escrever sobre a nossa obsessão pelos casos judiciais do momento: num país onde geralmente falham as outras instâncias de regulação social e sanção de abusos e arbitrariedades, tudo acaba no processo penal. Os tribunais, que deviam ser a última linha de defesa do Estado de Direito democrático, passam a ser a única linha de defesa, depois de falhar o escrutínio público assente num direito amplo dos cidadãos à informação; a responsabilização disciplinar dos serviços públicos; a responsabilização política dos decisores; a intervenção de reguladores e de toda a constelação de micro-organismos dedicados à defesa da integridade pública – ou ao entretenimento da população desatenta (às vezes é difícil distingui-los).
Quando, em cima disso, o próprio processo penal e o processo administrativo são labirínticos, difíceis e demorados de navegar, muito por culpa de legislação avulsa que confunde onde devia simplificar e que soma revisões sobre revisões, para carregar às costas da "Justiça" toda a injustiça de que é feito o funcionamento corriqueiro do Estado, nem a única linha de defesa nos vale. Vive-se o império da impunidade, no qual os poderosos da política e dos negócios que se vejam, a si ou aos seus, sob suspeita pública podem reclamar que se apure tudo "até às últimas consequências, doa a quem doer", porque sabem que as consequências serão nulas.
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