A política e o jornalismo é para gente corajosa. Impressiona quem ainda se impressiona com a pressão. Ameaças explícitas ou ataques velados são o pão do dia-a-dia. Não é diferente com gestores acossados ou capitalistas escrutinados. Só cede quem não pode ou lhe falta vocação.
Enquanto director de jornal, e agora de televisão, convivi com seis primeiros-ministros e só dois não retaliaram, ameaçaram ou simplesmente foram sonsos e boicotaram com tudo aquilo que podiam: Pedro Santana Lopes e Pedro Passos Coelho. Também é verdade que um Pedro não foi bem um primeiro-ministro e com este Pedro não passou muito tempo.
Se António Costa for eleito, vai haver problemas. O homem não encaixa, irrita-se, em muitas coisas faz lembrar outro. Não é isso que o distingue de nada nem de ninguém. Mas é facto que se destacou. Ele foi a figura da semana, não pelo mau-feitio que toda a gente já sabia que ele tem, mas porque afinal existe. O país já fala do IRS do Costa, das pensões do Costa, da TSU do Costa, do consumo interno que o Costa quer voltar a estimular.
Ainda não se sabe exactamente ainda o que é, mas pela primeira vez desde que venceu as primárias internas deixou de andar a reboque. Oito meses a criticar o Governo sem nada para propor. Foi o comentador mais ativo das iniciativas dos outros. Uma cassandra em tons catastrofistas, apenas dissimulados para chinês ver, sentido de Estado, sem sentido algum, sem ideias para vender.
Agora, embalado pelas alheias, Costa abandonou as generalidades, o nada-que-me-comprometa, para defender as medidas mais emblemáticas do documento encomendado aos 12 economistas. As orientações dos apóstolos tornaram-se oficiais. E as páginas do doutor Centeno deram vida aos socialistas.
Só no enunciado o documento tem a fórmula da política económica socialista. A base é a mesma que conduziu à austeridade tão por ele diabolizada - e não poderia ser de outra forma, a não ser que as restrições financeiras ao crescimento económico fossem contornadas por um suicidário "não pagamos", que nem o Podemos ousou inscrever no seu programa eleitoral, também esta semana conhecido.
Mas António Costa precisava urgentemente de lançar o debate, criar agenda, dar sentido a uma liderança que secou durante o Inverno. E, na oposição, o PS fez em quinze dias o que ele e o anterior secretário-geral não conseguiram em quatro anos: o Governo teve de reagir, os deputados da maioria tiveram de questionar as opções finalmente assumidas pelo homem-que-quer-lá-chegar.
E talvez lá chegue. [...]
Para vencer a maioria de centro-direita, apenas teria de provar que estava vivo. Porque alguém lhe terá dito para sumir. Porque andou meses e meses a perder por falta de comparência. Porque estava a deixar um partido à deriva. Porque até na família socialista o davam como perdido. Até que, por fim, soou o piiiii-pi-piiii. Não, não era o toque de uma mensagem escrita com insultos despropositados. Somente o sinal intrépido de quem continua desesperadamente a pedir ajuda.
Sérgio Figueiredo,DN
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