O diálogo entre Otelo Saraiva de Carvalho e Olof Palme não ficou completamente datado no ano em que supostamente aconteceu.
"O que quer Portugal com esta Revolução?", perguntou o carismático líder da social-democracia europeia da década de 1970, a Otelo. Porque era enorme a curiosidade que estava instalada em toda a Europa sobre o curso do nosso país após o derrube da ditadura pelo golpe militar de 1974.
Otelo estava, a convite oficial, em visita à Suécia. O capitão de Abril não tinha papas na língua, terá respondido qualquer coisa assim: "Queremos acabar com os ricos." Interessante, reagiu o então primeiro-ministro sueco, "nós andamos a tentar acabar com os pobres há 20 anos e não conseguimos".
Esta conversa continua actual por dois motivos, nenhum deles é bom. O primeiro é que, quatro décadas depois, os portugueses continuam mais empenhados em procurar a justa medida da repartição de sacrifícios, sem conseguir perceber por que motivos não consegue gerar mais riqueza. Aliás, foram os poucos ricos que a democracia, subsidiada com uns fundos europeus, foi gerando desde a adesão que simplesmente desapareceram.
Otelo, 40 anos depois, cumpriu a missão: os ricos tornaram-se entretanto em endividados, estão clandestinos ou foram constituídos arguidos.
O maior paradoxo deste desastre nem é o colapso do BES ou a implosão da PT, ou o desaparecimento da bolsa, ou a brasileirização da Cimpor, ou o controlo chinês do setor elétrico. A coisa mais difícil de explicar, no país estruturalmente mais débil da zona euro, foi ver Portugal cair no terceiro resgate da sua democracia com capacidade instalada a mais: bancos a mais, imobiliário a mais, construção a mais.
Demasiada coisa a mais para uma economia de menos. Como os pobres de Olof e os ricos de Otelo.
Excertos do artigo de Sérgio Figueiredo, 'Pobres que somos', hoje, no DN
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