A descrença num futuro melhor intensificou-se com o terrorismo, a crise financeira e a estagnação económica, impondo-se uma atmosfera de incerteza e impotência, como se preservar o mínimo (emprego, educação, saúde) fosse o máximo possível. As ferramentas que no passado se revelaram eficazes para lidar com os desafios da vida individual e colectiva foram desacreditados.
Hoje parece que projectamos os medos para o futuro e falamos com saudade do passado – não só o recente, antes do irromper da crise financeira, mas principalmente do mais longínquo. Em alturas de desordem, quando não parece existir confiança num rumo, podem traçar-se utopias, esse impulso para transformar o presente através do vislumbre de um outro futuro. Mas a desilusão e o temor pelo que poderá vir aí podem levar-nos a tentar regressar a um passado selectivo, logo, idealizado, ou a algo que foi abandonado lá atrás e que se julga poder agora reparar.
É como se Bauman nos dissesse que uma das consequências do fim do pensamento utópico, com todos os seus riscos, mas apesar de tudo baseado numa vontade transformadora e na confiança, tivesse dado lugar agora à retrotopia, assente na desconfiança e num regresso a um passado mitificado, que nunca existiu realmente, do qual se seleccionam apenas algumas partes, numa replicação mais imaginária do que real. Deslocámos as esperanças numa sociedade melhor num futuro que ainda o não foi para um passado que não foi da forma como tentamos fazer crer, num regresso à caverna, à tribo, ao que julgamos conhecer.
Parece que projectamos os medos para o futuro e falamos com saudade do passado – não só o recente, antes do irromper da crise financeira, mas principalmente do mais longínquo. Em alturas de desordem, quando não parece existir confiança num rumo, podem traçar-se utopias.
Vítor Belanciano, Público
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