Por causa de todas as regras que o Estado produz para nos facilitar a vida, a vida contemporânea ficou mais difícil, levando o Estado a criar mais diplomas e a organizar códigos, diários legislativos e comentários para os entender. Até que tudo se transformou numa enorme torrente de textos, contínua e imparável, que pretende regular, cada vez mais e melhor, a vida que, na realidade, continua igual ao que sempre foi.
Ainda não chegámos a meio do ano, e a I Série do Diário da República já tem mais de 2700 páginas, enquanto a II Série ultrapassou as 11 mil. Só o Tribunal Constitucional, instância jurídica suprema do país, emitiu nos seus 35 anos de existência mais de 21 mil acórdãos, o que dá uma média de 1,7 acórdãos por dia, incluindo domingos e feriados. O jornal oficial é, sem dúvida, a publicação mais volumosa do país, embora, pela sua própria natureza, devesse ser lida por todos. Diz-se que "o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém" mas, por simples razões físicas, esse desconhecimento é não só generalizado como inevitável.
Isto só pode ser aberrante e caricato, mas ninguém parecer dar-se conta do ridículo da situação inadmissível. (...) O futuro escarnecerá da época que pretendeu estatuir todos os pormenores da vida, por mais ínfimos e íntimos que sejam.
O problema é tão grave que até o próprio Estado já foi chamado a resolvê-lo, criando legislação para tratar do excesso de legislação.
Graças ao progresso, a vida actual está liberta de males seculares; em compensação, caiu dentro de um cerrado matagal legislativo, que ninguém consegue realmente conhecer, compreender, dominar. Por mais específico que seja o sector, confronta uma multidão de diplomas, alguns contraditórios, muitos sobrepostos, todos ininteligíveis.
Como em todos os matagais, na selva legislativa prospera uma fauna adaptada ao ecossistema. Advogados, funcionários, fiscais, consultores, procuradores, desembargadores e tantos outros libertam o cidadão dos embargos criados pelas leis que alegadamente os defende. Sendo tão vasta, complexa, mutável e incompreensível, a actividade do Estado alimenta uma larga classe que trata dos problemas que a lei cria. Para quem pode pagar, claro. Os pobres, esses, acabam vítimas da lei que os diz proteger.
Excertos do artigo de João César das Neves, ' A selva legislativa', DN
Este artigo reflecte o que todos nós pensamos e sentimos. Esta compulsão legislativa tem de parar, sob pena de o próprio Estado ficar asfixiado no caos do seu próprio matagal.
Este artigo reflecte o que todos nós pensamos e sentimos. Esta compulsão legislativa tem de parar, sob pena de o próprio Estado ficar asfixiado no caos do seu próprio matagal.
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