Pela segunda vez numa geração, a sociedade portuguesa será apanhada de surpresa por uma derrocada devastadora, que está latente há muito tempo, sem que ninguém dê por ela. É hoje evidente que, apesar dos terríveis sofrimentos da crise passada, os portugueses não aprenderam as lições de 2008.
Se o problema fosse só repetir os erros, era o menos. Mas existe uma diferença decisiva entre a cegueira económica actual e a anterior, que é o mais assustador. Desta vez, devido ao tropeço de 2011, o endividamento externo encontra-se encerrado. É verdade que, como toxicodependentes, as elites celebram entusiasticamente as tímidas aberturas no acesso ao crédito externo, como se empilhar ainda mais dívida fosse boa ideia. No entanto, não será por aí que se conseguem repor os níveis de consumo ruinosos a que nos habituámos. Por isso, desde o encerramento dos mercados em 2009, o meio que tem alimentado a vida nacional, no Estado, empresas e famílias, é o consumo de capital. Portugal vive há dez anos a vender as pratas da casa.
Entregando as grandes companhias nacionais e até casas e terrenos a capitais estrangeiros para financiar consumo, a taxa de poupança das famílias está em mínimos históricos. O investimento público tem sido a rubrica mais cortada, para sustentar as despesas correntes, e as famosas cativações dirigem-se sobretudo aos gastos de funcionamento, degradando serviços. Nas empresas, o investimento e o crédito bancário atingiram mínimos históricos. As tímidas recuperações recentes nada alteram de significativo, pelo que, desde 2013, o investimento se mantém abaixo dos valores de reposição de equipamento. Como a produtividade e a competitividade não param de se degradar, o país encontra-se, realmente, numa lenta decadência, que até é demográfica, pela baixa fertilidade e emigração.
Entretanto, vê-se por todo o lado as pessoas a voltar aos hábitos de vida que tinham antes da crise, perante a bonomia pateta do governo, que se orgulha de baixar impostos, subir salários e pensões, apregoando isto como virtuosismo do senhor ministro das Finanças. Como em 2008, as elites andam satisfeitas, caminhando alegremente para o segundo abismo financeiro da década, no qual, mais uma vez, cairão totalmente de surpresa.
(excertos do artigo de João César das Neves, hoje, no DN)
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