Mais do que o interesse imediato ou a ambição, mais do que o bairrismo dos vizinhos ou a parceria dos cúmplices, há um espírito e um clima que inspiram comportamentos perante os quais soçobra a lei.
Os ricos pensam que tudo lhes é permitido, por serem ricos. As “pessoas bem” acham que devem ter o que querem, porque é assim. Os militantes dos partidos, sobretudo os que ganham eleições, entendem que a democracia é isso mesmo, uma distribuição de despojos. Os sindicalistas crêem que a democracia foi feita para os trabalhadores, o que se deve traduzir em vantagens. Os católicos aceitam que o povo de Deus deve receber os devidos benefícios, porque é natural que assim seja. Os maçons não têm Deus nem Mestre, mas devem ter privilégios, porque deles é a virtude cívica. A esquerda entende que a política deve comandar a economia. A direita não acha errado que a política se possa submeter à economia.
É este espírito que faz com que seja natural que os seus ajudem os seus. Que as tribos e as comunidades tenham a sua força. Jovens, mulheres, negros, velhos, doentes, trabalhadores, minorias e cultos acreditam piamente que todas as medidas e todos os gestos que desfaçam desigualdades e que promovam antigos oprimidos e explorados têm absoluto fundamento.
O problema é ter a certeza de que, quando não houver tribos nem comunidades, quando não houver pessoas do mesmo grupo ou com a mesma crença, quando só houver gente da mesma condição, quando tivermos a igualdade total, nessa altura, estaremos a viver em plena ditadura totalitária. E teremos uma sociedade sem corrupção. E sem liberdade.
António Barreto, Público (via Jacarandá)
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