
Ora, Portugal necessita de um esclarecimento político essencial e de um esforço comum capazes de fundamentar coesão, decência e desenvolvimento para os próximos anos. Antes da pandemia, já se sabia que o país caminhava aceleradamente para um afrontamento. Como nunca nas últimas décadas, a divisão entre esquerda e direita desenha-se no horizonte com nitidez. Já não se trata da divisão entre democracia e não democracia, como foi o caso dos primeiros anos após o 25 de Abril: agora é cada vez mais entre esquerda e direita.
A convergência de vários factores de crise é geralmente nociva. Até se inventou uma expressão interessante: a “tempestade perfeita”. Não sabemos, ainda, se esta existe ou não, se está presente em Portugal ou não, mas sabemos que há muitos argumentos nesse sentido, a começar pela simultaneidade de causas externas e internas.
O recuo das democracias nas Américas e na Europa é um mau sinal. A ascensão do nacionalismo autoritário na Europa e na Ásia é flagrante. A crise da defesa ocidental e europeia, em resultado da política americana e da agressividade russa, é real, já não é apenas uma hipótese. As dificuldades de relançamento económico da Europa e de reorganização da União são as maiores de sempre. As sequelas da crise pandémica são incomensuráveis e ainda hoje difíceis de enumerar.
Todas as razões externas e globais têm consequências em Portugal. A essas, acrescentamos evidentemente as nossas próprias. A divisão entre esquerdas e direitas, agora acrescentadas das respectivas extremas, é radical e dificilmente ultrapassável.
A animosidade e a contradição entre sectores público e privado (na economia, na saúde, na educação…) atingem graus inéditos e nefastos. O elevadíssimo grau de corrupção e de promiscuidade financeira e política exige uma justiça pronta e eficaz que não temos. O agravamento da desigualdade social e da ineficiência dos serviços públicos, em resultado da pandemia, é visível e inquietante. A inclusão, no debate político, da questão racial, é uma novidade de efeitos imprevisíveis, mas seguramente ácidos. A retórica do antifascismo e do anticomunismo torna todas as soluções mais difíceis.
Qualquer esforço de desenvolvimento, de coesão e de paz social, exige unidade e convergência de esforços. Sem receios atávicos da “união nacional”. Seria tão bom e tão útil ao país que as principais forças políticas percebessem!
António Barreto, Público
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