Houve quem tivesse notado que nenhum outro presidente da república fora tão duro desde o general Eanes. Mas o ponto é que também nunca um chefe de governo foi tão frouxo na sua resposta ao presidente.
Em primeiro lugar, tudo o que ele não fez em quatro meses, depois de Pedrogão Grande. Porque foram precisos mais 43 mortos? Porque optou por mais uma “reforma florestal”, à D. Dinis, em vez de se ocupar, por exemplo, das faixas de segurança à volta de estradas e povoações, como manda a lei? Porque não fez funcionar a Protecção Civil?
Manuel Alegre falou de “amiguismo”, outros falaram do seu paroquialismo lisboeta. Mas a dificuldade de António Costa é mais profunda. É de quem, como explicou aos jornalistas na noite de domingo, não acredita que seja possível fazer melhor, e que por isso foi capaz de dizer, enquanto os mortos eram contados, que haveria mais tragédias para o ano e que a demissão da ministra não faria a mínima diferença.
De súbito, eis um primeiro-ministro que os mais distraídos ou perversos sempre tinham descrito como um optimista bonacheirão, revelado como o seu contrário, um céptico frio e brusco.
Para salvar a sua carreira, teve de se aliar com partidos que negam tudo o que o PS representou, a começar pela integração europeia.
É um primeiro-ministro fraco, dependente de negociações constantes com este e aquele, não só em Lisboa, mas, devido à vulnerabilidade financeira do país, também em Bruxelas. A fraqueza explica a “capitulação” perante o discurso presidencial de terça feira. Houve quem tivesse notado que nenhum outro presidente fora tão duro desde o general Eanes. Mas esse não é o ponto. O ponto é que também nunca um chefe de governo foi tão frouxo na sua resposta ao presidente.
É isto que lhes ficou ao fim de mais de quinze anos de governo em duas décadas: uma técnica cínica de exercício do poder. O resto já não lhes importa, e por vezes mal conseguem disfarçar a sua impaciência, como aconteceu ao primeiro-ministro na noite de domingo. “Não me faça rir”, disse à jornalista. Há muito que todas as piedades do regime não têm outro efeito senão esse, fazê-los rir. Este é de facto o primeiro governo da desistência nacional.
Excertos do artigo de Rui Ramos, OBSR
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