Realizar as comemorações do 25 de Abril em quarentena, depois de proibir funerais e baptizados, aulas e cinemas, missas e jantares, concertos e velórios, é simplesmente ridículo, revela políticos inseguros, pobres diabos novos ricos da política… Criticar a sua realização com fúria redentora e hordas de cavaleiros da virtude e aproveitar para desencadear uma operação de limpeza moral é tão caricato quanto levar a cabo cerimónia tão patética.
O reino dos céus espera por ambos…
António Barreto, Público (via Sorumbático)
As polémicas nacionais atingem por vezes graus inesperados de empenho irracional. É o tom das grandes emoções. É impressionante a fúria dos ataques às comemorações do 25 de Abril! Correm petições a exigir a demissão de Ferro Rodrigues. Reclama-se a destituição do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa! Já se sugere a realização de novas eleições, porque os deputados não respeitariam a vontade dos eleitores. Os argumentos são delicados como vetusta artilharia. Não se comemora a Páscoa, não se reza ao domingo, não se acompanham os mortos ao cemitério, não há casamentos nem baptizados, nem sequer se celebra o dia da Pátria, o dia de Camões… Mas há políticos a festejar Abril, a festejarem-se a si próprios e a proteger os seus privilégios! Nunca se viu um tal desplante dos comunistas e dos maçons! Passados perto de cinquenta anos, quase meio século, meu Deus, ainda há quem queira marcar aquela data, quem a considere superior à crença religiosa, ao amor de família, às festas da pátria…
Mas também é perturbador, cinquenta anos depois de fundada a democracia, em plena pandemia que mata três dezenas de pessoas por dia, ao mesmo tempo que a vida social está suspensa, este absurdo que é o de ver todos os órgãos do Estado, os seus partidos e as suas instituições, comemorarem, em romagem de saudade ou romaria festiva, a revolução de 25 de Abril! A lembrar os anciãos do 5 de Outubro ou os decrépitos do 28 de Maio! Fechadas as escolas, proibida a circulação de um concelho para o outro, interdito o enterro dos mortos, afastados os passeios dos jardins, limitados os giros de cães, silenciadas as missas, cerrados os bares e impedidos os circos, mas aberto o Parlamento numa incompreensível cerimónia que não honra ninguém!
Os democratas de consciência pesada entendem que não podem deixar de tomar partido, sob pena de serem considerados fascistas. Socialistas e comunistas entendem que este é o momento de cerrar fileiras por um novo bloco histórico de esquerda, mesmo que tenham de se aliar com simples democratas e republicanos filhos de Portugueses honrados! Ateus defendem as cerimónias de Páscoa, ora silenciadas, argumento bom para criticar a excepção aberta para estas tristes festas de Abril. Arruaceiros por inclinação, os populistas de esquerda revelam uma propensão inesperada para o bom comportamento institucional.
(excertos do texto de António Barreto publicado no Público)
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