É provável que o Primeiro-ministro se dê mal com o êxito de alguns dos seus ministros mais capazes. Acontece… Daí não vem mal ao mundo. A não ser que se ponha em causa o sistema de governo. Que é o que está a acontecer.
Para a democracia, o sistema de governo é tão importante quanto as políticas. Há mesmo quem diga que são os procedimentos que preservam a democracia. Há razão nisso. Basta pensar no que seria uma boa política, mas sem liberdade nem democracia. É aliás essa uma das grandes ambições dos candidatos a ditador. Ou então, pensemos numa irrepreensível democracia, respeitadora dos direitos e do direito, mas com más políticas e muita corrupção.
António Costa pode também ter o seu estilo. Mas tem de respeitar os seus ministros e as suas competências. Ao requisitar os serviços de uma pessoa exterior ao governo, mesmo se excepcional e talentoso, como parece ser o caso, o Primeiro-ministro está dizer aos seus ministros: “Ocupem-se das bagatelas, do trivial e do curto prazo, porque do essencial vou ocupar-me eu e os meus conselheiros”!Com a excepção de um punhado de ministros, o governo está reduzido a directores de serviços. Ou gestores de produto. Mais de metade do governo nunca se exprimiu publicamente sobre o que quer que seja, o mundo, a paz, a Europa, a sociedade ou o Estado.
Descobrimos um primeiro-ministro estranho, com receio da importância dos seus ministros! Quando tudo fazia crer no contrário, que António Costa tinha orgulho em políticos capazes e em pares de elevado calibre intelectual, começou a perceber-se que ele gosta é de políticos reduzidos a técnicos.
A decapitação científica do Estado tem vindo a ser concretizada há anos. As capacidades técnicas do Estado estão há muito a ser desnatadas. É um mau sinal dos tempos que correm: um Estado pesado, mas intelectualmente fraco e cientificamente débil.
Excertos do texto de António Barreto, no Público (via Jacarandá)
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