A tarefa que aguarda o governo que agora tomou posse não é mudar o que o anterior não mudou; é a de o fazer num país que apura há séculos a arte de cruzar os braços. (Alexandre Borges, JNegócios)
O Chega, que se apressa a criticar o governo porque tem muita gente do PSD (o que é giro, porque sabem onde é que também há imensa gente do PSD? No Chega.), e os que nem lá põem os pés porque, como sempre, são superiores a isto tudo: a esquerda pura, de raça. Porque só ela representa, entende e defende o povo. E por isso só ela tem direito (esquerdo, porque não?) a desprezar as escolhas desse mesmo povo, virar-lhes as costas, desancar governos antes de eles sequer existirem. O Bloco, que já concluiu ser este “um dos governos mais à direita de que há memória” (com efeito, começa a não haver muitas pessoas com idade para se lembrarem de outros); e o PC que, naquele estilo raimundo-lapaliciano, logo foi anunciando estar “à espera de tudo o que é mau” e que há uma semana comunicara já o chumbo preventivo a um orçamento de Estado de que ainda não haverá sequer um Excel chamado “Notas” no computador de Miranda Sarmento. (...)E cá fora, é claro, a inefável CGTP, com a renovada subtileza de um martelo pneumático estragado e embora o programa de governo não seja apresentado senão na próxima semana, que já sentenciou que o que viu na campanha “traduz um forte ataque, nomeadamente aos trabalhadores e aos seus direitos, ao Serviço Nacional de Saúde, à escola pública, à Segurança Social, o favorecimento dos grupos económicos, o agravamento da exploração e a acentuação das injustiças e desigualdades”. É obra. E isto foi o que concluíram da campanha, a parte em que os partidos só anunciam coisas boas e fazem promessas. Imaginem quando eles começarem mesmo a governar. Não espero menos que o genocídio do proletariado. (...)
Às vezes, muito às vezes, são os que correm melhor. Sem expectativas, contra todas as apostas. Pode ser que sim. Oxalá que sim. Como disse António Costa, com um desportivismo que, lamentavelmente, só foi passeando depois de se demitir, a sorte de Montenegro será a sorte do país. (...)
Ontem, era notícia que o executivo PS partia sem que um único ministério tivesse chegado a mudar-se para o antigo edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos e apesar de a mudança ter sido anunciada pelo próprio há cerca de dois anos. O epitáfio perfeito, tragicómico, a um governo verdadeiramente incapaz de mudar o que quer que fosse. A tarefa que aguarda o que agora tomou posse não é, portanto, apenas a de tentar mudar o que o anterior não mudou; é a de o fazer num país que apura há séculos a arte de cruzar os braços.
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