domingo, 21 de novembro de 2010

Talento Não É Sabedoria

O talento não é sabedoria. Sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobra a ciência. O talento é a vibração convulsiva de espírito, a originalidade inventiva e rebelde à autoridade, a viagem extática pelas regiões incógnitas da ideia. Agostinho, Fénelon, Madame de Staël e Bentham são sabedorias. Lutero, Ninon de Lenclos, Voltaire e Byron são talentos.


Lembra-me ouvir dizer a um doido que sofria por ter talento. Pedi-lhe as circunstâncias do seu martírio sublime, e respondeu-me o seguinte com a mais profunda convicção, e a mais tocante solenidade filosófica : os talentos são raros, e os estúpidos são muitos. Os estúpidos guerreiam barbaramente o talento : são os vândalos do mundo espiritual. O talento não tem partido nesta peleja desigual. Foge, dispara na retirada um tiroteio de sarcasmos pungentes, e, por fim, isola-se, segrega-se do contacto do mundo, e curte em silêncio aquele fel de vingança, que, mais cedo ou mais tarde, cospe na cara de algum inimigo, que encontra desviado do corpo do exército. Aí tem a razão por que o homem de talento é perigoso na sociedade. O ódio inspira-lhe a eloquência da traição.


Camilo Castelo Branco

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